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PUSH - Pequenas ações para fazer uma grande diferença na sua comunidade
Pequenas ações para fazer uma grande diferença na sua comunidade
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Pequenas ações para fazer uma grande diferença na sua comunidade

Por Paula Saul, Creative Director no PHSD Team

@saulblyndex - @p.h.s.d

Meu relacionamento com a língua inglesa antecede meu relacionamento com a minha mulheridade. Ainda bem criança, lembro de consumir muitos desenhos estrangeiros e a banalização de todos comandos do video game que eu sabia mexer mas não fazia ideia do que significavam. No colégio sempre fui aluna nota dez, mas curiosamente a única recuperação que peguei, onde até chamaram minha mãe na escola, foi em inglês.

O tempo passou e me apaixonei pelos métodos de ensino de uma professora não convencional: ela deixava cada um decidir o que queria fazer, resultando em muitos dormindo a aula inteira e enlouquecendo a coordenadora de disciplina. Eu, naquela época, caí de cabeça e foi onde tudo começou.

Logo depois do ensino médio tive o privilégio de morar no Canadá, em Toronto, onde fui direto para os cursos preparatórios pros testes de proficiência na língua e para as provas para ingressar na universidade - já tinha fluência no inglês. Lá conheci gente do mundo todo e tive as primeiras crises de identidade que hoje vejo como parte de um longo processo de desconexão do corpo e da mente.

De volta no Brasil, tinha decidido entrar pra faculdade de moda da minha cidade mas não tinha a grana da mensalidade e cai por acaso em uma escola de informática e línguas perto da minha casa. Me chamaram para substituir um professor por uma semana e quando vi já estava lá há seis meses e recebendo o convite para assumir o departamento de inglês. Alguma coisa eu tinha, porque para alguém com 19 anos, sem experiência nenhuma com didática e sala de aula, eu estava me saindo muito bem! Recusei o convite e me dediquei mais na faculdade.

Pulando um pouco a história pra frente, seis anos depois, já morando em São Paulo e novamente me deparando com a famosa instabilidade financeira de quem vive de freelas, decidi resgatar essa memória de professora e lancei um projeto de aulas focadas em conversação - um mix do que a minha professora do colégio fazia com o que eu achava legal. Logo tive apoio de amigos que fizeram aulas e algumas alunas até então desconhecidas.

Como nem tudo na vida acontece de forma organizada, junto disso tudo eu estava passando por um dos momentos cruciais da transição de uma pessoas trans: não aguentava mais como as coisas estavam e ao mesmo tempo morria de medo do que eu ainda não conhecia, mesmo sabendo que era nessa direção que precisava ir. O bom disso é que eu não estava sozinha, tinha diversas amigas que já tinham passado ou que estavam passando pelas mesmas questões que eu e, mesmo com suas diferenças, conseguimos nos entender em alguns pontos.

Sei que de fato, na lista de urgências da comunidade travestigenere, falar inglês não é uma delas mas fui entendendo que para além da luta diária para sobreviver existe um caminho através da empregabilidade e independência financeira para pessoas trans resistirem. E foi aí que tive a ideia de compartilhar esse privilégio com outres. No começo convidei amigas que sabia que tinham interesse e isso logo virou um hábito. Muito além da língua inglesa estávamos nos encontrando semanalmente para falar sobre nossos sentimentos, novidades e ambições e isso era fantástico por si só.

Vejo um chamado muito grande atualmente de nos unirmos e apoiarmos a comunidade travestigenere e outras minorias a margem da sociedade. Porém, para que tais ações aconteçam, uma grande movimentação de consciência de classe e renúncia de privilégios precisa acontecer antes. Não é fácil, mas é necessário. Digo isso por mim que, mesmo sendo uma travesti, fui e ainda sou coberta de privilégios. Eu faço parte de uma exceção que teve acesso a educação que nem existe no imaginário da maioria das pessoas travestigeneres. A carreira profissional bem desenvolvida, uma segunda língua ou até mesmo hobbies são acessos que nem todos têm. Isso se tornou muito menos uma obrigação e muito mais um privilégio em si: o privilégio de poder participar e trocar algo tão valioso pra mim com outres. 

Não vejo como caridade e não acredito que sou especial por qualquer motivo. Faço o que faço pela necessidade de compartilhar e pela responsabilidade com o que acredito significar ser humano. Maior do que o “porquê”, sei que faço parte de alguma mudança e quem mais sai ganhando com certeza sou eu. Por isso que continua sendo e sempre será um privilégio meu, o melhor que posso fazer é desfrutar dele com mais alguém.

Por fim, três pequenas dicas que podem ajudar a fazer a diferença na sua comunidade:

1. Organize sua rotina e se comprometa com a sua proposta

Ao coordenar sua agenda e tarefas vendo a atividade voluntária que decidir fazer como um compromisso, terá mais tranquilidade para seguir essa atitude como algo que faz parte da sua rotina, e não algo esporádico, afinal, estamos falando de pessoas e sobre uma troca mútua.

2. Tenha em mente a sua saúde mental

Ajudar outros na sua comunidade é fundamental, e além de poder contribuir para a vida de outros, é uma ação muito gratificante pessoalmente. Mesmo assim, estamos vivendo tempos muito difíceis, e é importante lembrar que enquanto ajuda outros, você precisa reconhecer também a si mesmo, e não esquecer que assim como aqueles com quem você quer compartilhar, você também pode ser ajudada e ser cuidada. 

3. Faça parte de fato da comunidade

Nem sempre tomar o primeiro passo para criar uma iniciativa que colabore com outros na sua comunidade pode ser fácil. Entretanto garanto que quando se está inserida em uma comunidade de forma verdadeira e horizontal o relacionamento flui. O diálogo e a troca alinham expectativas e necessidades tornando todas ações mais autênticas e assertivas. Uma sugestão que pode funcionar é conversar com outras pessoas que também enxergam os problemas e situações com as quais você quer se envolver, porque dessa forma você pode criar uma rede e voluntariar/oferecer ajuda/oferecer serviços em grupo. Além de dividir as responsabilidades, tudo fica mais fácil e as conexões também podem ficar mais valiosas.

 


 

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