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Estar vulnerável às mudanças nos dá muita coragem
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Estar vulnerável às mudanças nos dá muita coragem

Por Camilla Marinho

Há exatamente um ano, eu e algumas amigas viemos passar miniférias no Piauí - precisamente em um povoado chamado Barrinha, habitado por aproximadamente 600 pessoas. 

Foi com certeza uma das minhas melhores viagens. Conheci pessoas e histórias que mereciam ser contadas, lugares paradisíacos e me envolvi em atividades que ressignificaram muito a forma com que eu lidava com o meu tempo e trabalho. Começava, então, a maior aventura da minha vida!

Fui embora com o coração apertado. Antes de pegar a estrada, fui convidada pela Martha Ribeiro, entusiasta da região e hoje minha sócia, para conhecer a atividade artesanal de produção familiar de farinha de mandioca - uma das ações mais centenária e ancestral da nossa cultura. 

Saí de lá impactada de tal maneira que minha cabeça não parava. Estava explodindo de ideias e sonhos (como uma boa pisciana a articuladora de projetos).

Chegando em São Paulo, sentei com meu companheiro e disse: “Achei o nosso lugar no mundo”. Ele riu e rebateu: “Lá vem você querendo sacudir a vida”. Sim. E sacudimos!

Toda minha carreira foi construída em cima de ideais que me motivaram a mudar, ao menos minha bolha. Acredite, em um passo de cada vez, a gente chega lá!

Mas vinha me questionando sobre o meu trabalho e o seu real significado. Percebi que a minha energia de projetos não estava mais fazendo sentido em São Paulo, uma vez que o mercado estava muito bem assistido de profissionais e ações de impacto socioambiental positivo no eixo RIO-SP. Inclusive, acredito ser esse um dos maiores problemas da nossa comodidade em relação à profissão. Temos o hábito de pensar que TUDO acontece em grandes centros, mas não, está na hora de descentralizar um poder que está parado nas mãos de poucos - social, racial e economicamente.

Construindo um novo propósito: projeto CHÃO Piauí

Em outubro de 2019, sentei com a Martha e Marcelo, meu companheiro, e resolvemos estruturar um projeto que busca valorizar uma atividade que vinha sendo esquecida: a Farinhada Santos Oliveira Alves leva o nome de 4 famílias que ainda lutam para manter viva a tradição e queremos que elas sintam muito orgulho de quem são e do que fazem. Nascia aí a nossa história com o povoado da Barrinha e os nativos, que nos receberam de braços abertos, com muito amor e respeito. O projeto foi um sucesso e percebi o tanto que o meu trabalho fazia muito mais sentido em regiões que, por nossa ignorância, foram esquecidas ao longo dos anos.

Precisamos reconstruir a maneira que olhamos para certas regiões do Brasil, ainda tão pouco valorizadas. Nossa cultura é rica e a história do nosso povo é linda. Devemos ressignificar a nossa relação com o Brasil para percebermos o tanto de oportunidades que existem por aí. Isso requer coragem, aliás, MUITA coragem, e firmeza dos seus ideais. Nunca na minha vida me imaginei morando em um povoado no litoral do Piauí (sim, resolvemos nos mudar de mala e cuia para cá - rsrsrs).

Muitos não acreditavam, afinal, eu e meu companheiro levávamos uma vida muito boa em São Paulo, em uma casa de vila confortável que montamos com todo o amor, com os amigos e família por perto, tudo muito cômodo. Sempre reconhecemos esse nosso privilégio, mas o fato da gente sonhar em viver num lugar mais tranquilo e livre de excessos nos movia. Resolvemos empreender em um projeto que, através do turismo sustentável e o resgate da cultura de um povo, vem gerando um impacto socioambiental positivo para a Barrinha. Hoje, somos em 6 sócios. Sócios e amigos que acreditam em uma ideologia de vida e que buscam empreender consciente, por meio do CHÃO Piauí.

Ressignificando passado, presente e futuro

Nosso objetivo no CHÃO é resgatar o passado para recriar o presente e construir o futuro de uma forma saudável - e temos três pilares bem estabelecidos como sustentação: o Chão de Estar, o Chão de Aculturar e o Chão de Acolher. 

A preservação do povoado é algo primordial e é ela quem norteia as formas de crescimento. E gosto também de ressaltar que o que fazemos aqui não se trata de favor e muito menos assistencialismo, se trata de valorizar uma cultura que vêm sendo esquecida. 

A troca é mútua e nós que não somos nativos, acabamos aprendemos muito mais com os eles, do que ao contrário.

Os saberes ancestrais desta terra são poderosos demais e só quem vem de coração aberto para essa reconexão, sente. Somos obrigados a nos virar com os recursos que temos, e viramos até artesãos. Brinco que, por aqui, tudo é uma produção executiva rsrsrs.

Por exemplo, a água, algo tão comum que você que me lê neste momento tem na sua vida. Parece banal né? Mas, agradeça todo dia o privilégio de abrir a sua torneira e a água chegar encanada, e também ter o seu esgoto tratado. Aqui, não é tão simples assim - o que é bom, pois precisamos trazer soluções sustentáveis para o dia a dia (fossa séptica e reaproveitamento da água da chuva), mas requer grande esforço e paciência.

Já teve dias que eu tive que andar no sol de 39ºC com um balde para buscar água limpa no poço do “vizinho” ou até mesmo estar cansada demais para sair e buscar e acabar tomando banho de água mineral (que depois fiquei com um baita peso na consciência, inclusive).

Mas sempre tento aplicar a frase mais falada pelos nativos aqui: “vai dar certo” - mantra valiosíssimo, inclusive. Tem sabedoria melhor do que essa? São coisas simples do dia a dia, mas que passamos a dar muito mais valor.

Hoje meus problemas são, por exemplo, tocar o porco e o jegue que entram no meu quintal para comer a horta e as plantas, ou subir na árvore no meio de um call porque o wi-fi caiu e sinal de celular aqui só em cima da árvore.

Aqui ninguém se preocupa com a roupa que você veste ou com o que você tem. Estão interessados e orgulhosos do alimento que colhem da terra, pela casa construída com as próprias mãos e pela pesca do dia. 

"Estamos na praia porque deu tudo certo"

Quando decidimos vir, muitos amigos disseram que, se tudo desse errado com eles, também mudariam para a praia. Mas não. Estamos na praia porque tudo deu certo. Os valores estão completamente invertidos.

Vivo em um paraíso com pessoas abençoadas. Estou há 4 horas dos Lençóis Maranhenses e há 2 horas de Jericoacoara. Saio pra pescar com a molecada do povoado às 16:00 e no meio de uma semana intensa de trabalho, me dou o luxo de pescar em alto mar e comer o peixe na brasa no próprio barco. Moro em um lugar que a maioria das pessoas passam metade da vida trabalhando incansavelmente para passar 15 dias de férias no verão e o melhor: continuo muito produtiva ou até mais! 

Essa sensação é libertadora. Viver livre de excessos é libertador.

Medo? Tive muito! Muitos questionamentos, angústia de “perder” a minha carreira, que foi conquistada com muito suor na moda e no DAMN Project, de ficar longe dos amigos, de não ter a assistência necessária em caso de acidente - porque sim, aqui não temos estrutura hospitalar. Mas esse mesmo medo e vulnerabilidade me deram muita coragem. E acredito que é sobre isso, sobre sonhar e ir atrás, na cara e na coragem. E se não der certo, tudo bem! 

Estar vulnerável ao medo nos dá muita coragem e te convido a sentir essa mesma sensação. Vamos?

Crédito da foto de capa: Natasha Wilson 

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