Desde de Novembro de 2019, quando foi reportado o primeiro caso do novo Coronavírus na China, até os dias atuais, o mundo passou por repentinas mudanças causadas por essa assustadora pandemia e hoje nos encontramos em uma grande crise. O momento mudou completamente nossas prioridades e colocou em holofote aspectos de nós mesmos e de nossa sociedade que viviam constantemente às escuras. Estudiosos e sociólogos, dizem que essa pandemia antecipou tendências de comportamento que inevitavelmente fariam parte de nossa realidade e que talvez as mudanças de nossa rotina e hábitos vieram pra ficar e mostraram o que realmente será significativo a partir de agora.
Historicamente, todas as crises globais e colapsos da saúde passaram por três fases distintas, o Surto, a Recuperação e o Novo normal. Com o COVID-19, não será diferente. A duração de cada estágio varia, mas cada fase implica em novos comportamentos, novas mudanças de hábitos e, principalmente, novas adaptações. E quais as características de cada fase?
No primeiro momento temos o “Surto”. O surto acontece durante o pico de contaminações, é o período de epidemia + quarentena, com um grande colapso na saúde, onde todos são forçados a presenciar novos formatos de interação e relações interpessoais.
A segunda fase é a “Recuperação”, que assim como o nome já diz, é o início da contenção da pandemia, quando o número de casos começa a diminuir e a curva de contágio a achatar. Nesse momento acontece a retomada do consumo da forma que conhecemos e desperta em cada indivíduo uma maior responsabilidade social.
E por último, temos o estágio conhecido como “Novo normal”, é nesse momento que acontece a retomada da rotina, a adaptação à nova normalidade e principalmente a ressocialização e reconexão com os outros.
Entrando no quinto mês de quarentena no Brasil, ainda estamos no primeiro estágio da pandemia do COVID-19. Nossos hábitos e comportamentos mudaram completamente nesses últimos 120 dias, principalmente em relação aos outros, a nós mesmos e a forma como consumimos. É importante olharmos para o futuro e tentar prever suas transformações a partir do cenário atual para termos um outcome mais positivo. Quais são as possibilidades de mudanças para as próximas duas fases? E como isso vai impactar o comportamento do consumidor nos mais diversos âmbitos do consumo?
É isso que vamos tentar decifrar hoje, o futuro. A partir de análises do impacto do COVID-19 em outros países que já passaram do primeiro estágio, vamos tentar desenhar uma perspectiva do futuro, do futuro do consumo, do mercado e do comportamento.
Economia
A economia vem sofrendo uma drástica desaceleração desde o início da pandemia, causando em todos um senso de instabilidade e medo geral. Desde a paralisação do comércio e serviços considerados não-essenciais, a circulação de dinheiro teve uma brusca queda e um grande número de pessoas se viu em risco. Há anos que o Brasil não se deparava com um aumento tão grande de desemprego. Para onde vamos a partir daí? Como vai acontecer a retomada dessa economia?
46% das pessoas que presenciaram dificuldades financeiras durante esse primeiro momento relataram que irão fazer mudanças no planejamento de suas finanças. É provável que a educação financeira ganhe mais importância do que nunca, tendo em vista que a falta de organização e a ausência da economia na vida dos brasileiros pode ter causado grandes dificuldades nesse momento de incerteza.
Talvez venhamos a presenciar uma herança positiva dessa pandemia na forma como nos relacionamos com dinheiro. Um senso de coletividade tende a se mostrar presente nos próximos estágios da crise, a renda individual muitas vezes vira renda coletiva e o senso de coletivo fará com que as pessoas ajudem uma as outras financeiramente.
Trabalho
Um dos primeiros âmbitos de nossa vida à sofrer os impactos da pandemia, definitivamente foi o trabalho. Grande parte das empresas ao redor do mundo adotaram políticas de isolamento social dos funcionários para driblar o aumento dos casos e todos estão sendo obrigados a repensarem seus modelos de trabalho e qual sua real significância.
O home office trouxe para empregador e empregado um grande questionamento de qual a importância e a necessidade da estrutura física. Diversas empresas já anunciaram que irão manter o trabalho remoto depois da pandemia, mesmo que de forma parcial. O escritório passa a ser uma alternativa, um segundo plano, onde equipes se encontram algumas vezes por semana.
Saúde (física e mental)
Assim como todas as outras atividades, os exercícios físicos foram limitados. Atividades outdoors se tornaram um risco de contaminação e isso trouxe uma imensa mudança na forma como as pessoas se mantêm ativas.
Lives de personal trainers e aplicativos de treinos para fazer dentro de casa se tornaram um must have daqueles que mantêm uma rotina de exercícios ativa. Alguns usuários do aplicativo “HIT” relataram que não pretendem voltar às academias pós-pandemia e descobriram na prática dentro de casa um conforto e praticidade que não tinham antes. Outra mudança referente à prática de exercícios físicos foi a motivação dos praticantes, antes ligada totalmente à saúde física e a aparência, hoje muitas pessoas optam pelas atividades física como uma forma de aliviar o estresse, encontrar um equilíbrio e beneficiar a saúde mental, algo que foi completamente afetado durante a pandemia.
O isolamento social, a instabilidade financeira, o constante medo e a enorme recorrência de notícias ruins desencadearam na maioria das pessoas uma angústia e uma ansiedade constante, trazendo impactos negativos para a saúde mental, a curto e longo prazo.
Com isso, novas formas de manter a sanidade mental começaram a ser incorporadas na rotina de cada um, colocando em holofote temas importantes como o autoconhecimento e o bem-estar. Os exercícios físicos, práticas como yoga, meditação e terapias alternativas irão se tornar prioridades para a grande maioria da população. O autocuidado é real e tem uma enorme importância num momento de tantas incertezas, talvez, ao final de tudo isso, sairemos mais conscientes de nós mesmos.
Vida social e relacionamentos
É claro que o isolamento social transformou completamente a forma como nós interagimos com os outros. A interação offline foi extinta e a comunicação foi completamente limitada ao digital.
O ser humano necessita da troca, e a falta de convívio com outros pode ser maléfico para nossa saúde mental, por isso todos tiveram que se adaptar e encontrar novas formas de se relacionar. Nos últimos meses o número de downloads do aplicativo Zoom aumentou em 40% e a quantidade de ligações de vídeo pelo WhatsApp cresceu em 70% só no primeiro mês de quarentena. Esses números retratam o quanto sentimos falta da interação e como ela é imprescindível para os seres humanos.
Segundo o biólogo Átila Iamarino, ainda demoraremos muito para circular pelas ruas “livremente” e talvez nunca mais voltaremos a fazer como antes. O medo da contaminação e a preocupação com higiene e limpeza trará impactos duradouros no convívio social e é possível que muitas atividades que antes eram consideradas comuns, sejam completamente extintas de nossa vida.
Em diversos países que houve uma reabertura gradual de bares e restaurantes, causando simultaneamente uma grande aglomeração, fazendo com que o governo voltasse a decretar novamente o fechamento, o isolamento e até o lockdown completo. E é aí que mora o perigo. Enquanto não entendermos a importância de evitar a aglomeração, mais irá demorar para retornarmos à vida social offline.
No âmbito dos relacionamentos, a interação também foi completamente modificada. Pessoas que estão passando a quarentena longe de seus parceiros, começaram a reavaliar a importância e a relevância do outro, mas ao mesmo tempo, a socialização e a manutenção das relações na esfera digital vai se tornar mais do que um hábito, se tornando uma necessidade.
Educação
Assim como a mudança da rotina do trabalho, a educação também foi modificada e o ensino à distância veio como uma alternativa ao fechamento das escolas e faculdades. O EAD dá mais flexibilidade a forma que se aprende e se ensina. Este cenário deve acabar com a resistência que sempre existiu com o ensino a distância. Assim, os cursos e instituições que obtiverem sucesso com esse modelo, poderão passar a utilizá-lo com mais frequência.
Apesar da educação à distância ter um grande potencial em democratizar o ensino superior, aumentando o acesso à informação e o desenvolvimento de áreas carentes do país, também foi possível observar diversas falhas e pontos negativos desse modelo de aprendizagem. O método de ensino a distância proporcionou aos alunos durante o período de quarentena a possibilidade de manter seus estudos ativos. Porém, a longo prazo, a produtividade e a qualidade desse estudo vai se perdendo, isso por diversos fatores. O mais provável deles é a maior presença de distrações dentro de casa e a facilidade que o aluno tem de perder a concentração durante a aula.
Hábitos de compras
Ao mesmo tempo que muitas pessoas estão perdendo completamente seu poder de aquisição e consumo, aqueles que possuem o poder aquisitivo em suas mãos estão consumindo como nunca. As compras estão acontecendo em canais com pouco ou nenhum contato humano e as marcas estão focando completamente na venda online. Não temos uma previsão de quando o comércio voltará a ser como conhecemos, na verdade, talvez ele nunca volte.
Apesar da movimentação de dinheiro estar menor, ela está mais focada em certos serviços e produtos. O foco das compras online está em itens considerados indispensáveis para o isolamento, no Brasil a procura de produtos relacionados à saúde teve um aumento de 111%, enquanto itens de beleza e perfumaria, junto com delivery de alimentos e bebidas, tiveram um aumento de aproximadamente 80%. A tendência é que os consumidores continuem engajados no consumo à distância e cada vez mais movimentando as mesmas categorias.
O delivery continuará sendo indispensável para qualquer serviço e todo negócio, por menor e local que ele seja, terá que se adaptar ao novo modelo de consumo à distância. Quando a gente pensa no pós-covid em outros países, com boom de consumo em marcas de roupas e filas para entrar em lojas, é uma realidade que não se adequa ao Brasil. É possível que a aglomeração venha a acontecer, como já aconteceu em alguns shoppings que tiveram sua abertura parcial liberada, mas essa noção vem muito mais de uma necessidade de circular do que propriamente de consumir.
O consumo da moda também mudou completamente, agora vemos um consumo muito mais focado em conforto, e quando falamos de estética e de aparência é algo somente relevante a parte de cima do corpo. Em diversas hashtags de looks de quarentena vemos influencers usando blusas e acessórios extremamente chamativos com uma calça ou shorts de pijama. Isso se deve exclusivamente ao fato das pessoas só nos verem através de uma câmera, seja numa reunião por vídeo ou por um stories do Instagram.
Além do foco no upper body e no conforto, o vestuário ganhou um grande aliado durante essa pandemia, aliado indispensável que vai continuar fazendo parte de nossa aparência durante muito tempo, as máscaras.
Mídia e entretenimento
O aumento do tempo que as pessoas estão em casa levou a uma grande alta no uso de serviços de streaming, video games, redes sociais e até a televisão - que tinha perdido sua força perante o reinado das mídias sociais - voltou a ter relevância. (79% das pessoas consideram a TV o canal mais seguro para obter informações à respeito do COVID-19) E como será o consumo do entretenimento a partir de agora?
As pessoas estão buscando no online vivências e experiências que costumavam ter no offline. Então, para se manter conectadas com aqueles que amamos durante o período de isolamento, as pessoas buscarão cada vez mais formatos que unem uns aos outros. Aplicativos como o Netflix Party, que permite assistir séries e filmes simultaneamente entre amigos e familiares, vem ganhando grande força e relevância.
Podemos esperar cada vez mais outras áreas da vida social se mesclando com a vida cibernética, passando a acontecer agora no online. Festivais de música, festas, eventos, happy hours e etc. Acontecimentos tão importantes para o convívio e a conexão com o outro não serão extintos, mas sim adaptados à nova realidade.
É impossível prevermos totalmente como será o novo normal, como a sociedade irá se adaptar e quais as tendências de comportamento e consumo continuarão fazendo parte do mundo pós-covid. Apesar dos extensos estudos a respeito do “novo normal”, o futuro ainda é um mistério e cabe a nós decifrar e moldar como ele será.