“Dizem que uma pessoa pode sofrer uma grande mudança na vida através da dor ou do amor. No meu caso, a mudança veio pelo amor, quando me tornei mãe da Maya”. Assim começou a Simple Organic, marca de maquiagem vegana, sem gênero, sem testes em animais e orgânica, feita para pessoas que acreditam na beleza individual e buscam produtos que são a tradução da natureza.
A Simple Organic já assinou os desfiles de João Pimenta, À La Garçone e Lenny Niemeyer e nos deixou babando com as produções super leves e intimistas. A fundadora e CEO da marca é a catarinense Patrícia Lima, que, quando se tornou mãe, percebeu que toda a sua experiência prévia no mercado da moda (que durou 15 anos!) poderia ser transformada numa bagagem ainda mais positiva, fazendo que um novo projeto nascesse da maneira mais real possível.
E nada mais justo do que conversar com a Pati, que nos contou um pouco sobre o início da marca, desafios do empreendedorismo e mercado da beleza no Brasil. Confira a entrevista que fizemos com ela:
Push: Você começou a Simple Organic quando se tornou mãe. Como foi conciliar o início da marca com o início da maternidade?
Pati Lima: A Simple Organic surgiu depois que eu virei mãe. Eu sempre trabalhei com moda e a maternidade me trouxe uma consciência muito maior. Foram muitos anos trabalhando nesse ramo e acreditando que aquele mercado de descarte era normal e natural, e foi após a maternidade que eu me questionei em relação a tudo isso. Foi quando percebi que não queria mais fazer parte de um mundo que não era consciente, que não preservava o planeta que vai receber a geração da minha filha e as próximas. Foi assim que ela nasceu, a partir da vontade de transformar aquilo que eu sabia e sempre gostei de trabalhar, que é a estética, criação de produto e comunicação, em algo que tivesse um impacto positivo. Foi um tempo até que eu conseguisse entender realmente o que eu queria fazer e como eu iria pegar aquele conhecimento que existia dentro de mim, por conta dos anos de carreira, e transformar em uma marca de beleza sustentável. Quando a ideia surgiu, minha filha tinha entre cinco e seis meses e eu a amamentava. Foi quando eu comecei a me questionar em relação ao que eu usava e que maquiagens sintéticas eram aquelas que poderiam ter um contato com um bebê. Isso foi o que me incomodou e quando ela tinha um pouco mais de dois anos a Simple Organic surgiu realmente.
A maternidade está em todos os meus insights e a minha mudança de mindset. E, sim, foi muito difícil ser a mãe intensa que eu sou e ser, ao mesmo tempo, empresária em um momento de transição de carreira em que eu tinha uma agência que era grande e que atendia contas líderes no segmento de moda, para decidir mudar tudo e me reestruturar dentro dos valores que eu tinha criado para esse novo momento de vida. Fazer tudo isso tendo um bebê, é realmente muito difícil e as pessoas costumam perguntar sempre olhando para o passado, porém, continua sendo muito difícil porque ela acabou de completar seis anos e a demanda aumenta cada vez mais. Uma criança de seis anos quer atenção, quer ser ouvida, quer troca, quer diálogo, então, eu cuido da minha vida profissional a partir dos horários dela. Eu faço uma construção de cotidiano, carreira e de tudo a partir do meu papel de mãe sem deixar de lado a mulher, empreendedora e empresária que sou. O desafio é equilibrar todos os pontos diariamente, então, é difícil e cansativo, mas vale muito a pena porque eu construí algo que eu acredito e por estar presente vivenciando intensamente cada etapa da vida dela. São coisas únicas que não dá para viver sem um ou sem o outro. Por isso, eu não abro mão da maternidade, mas é uma maternidade real que entende que sou uma empresária e que nem sempre eu vou dar conta de tudo, mas que eu faço o meu melhor sempre e eu dialogo muito isso com ela.
Push: Como você enxergava o mercado de beleza antes de criar a marca? O que exatamente foi o seu start para tirar o projeto do papel?
Pati Lima: O mercado de beleza brasileiro sempre foi muito poderoso, rico, saudável e próspero. Porém, o mercado de beleza orgânico era inexistente e por mais que existisse algumas marcas elas eram muito pequenas e nichadas. A Simple Organic veio exatamente para abrir esse olhar e para mostrar que a beleza limpa, feita com consciência, é possível. Essa possibilidade vem a partir do desejo e da vontade de ter um produto consciente no nécessaire e de fazer essa transição na vida por um consumo mais correto. Então, essa decisão nossa da Simple Organic entrar no mercado e fazer sua estreia, em 2017, no desfile de À La Garçonne (Alexandre Herchcovitch) no São Paulo Fashion Week, fez com que conseguíssemos levar isso para uma grande massa comunicando que é possível ter um produto legal, contemporâneo, minimalista e moderno sendo sustentável e sem aquele clichê do “natureba”. Foi isso que a gente sempre buscou e hoje vemos essa mudança no mercado que começou pela Simple Organic ao trazer a beleza orgânica para a grande massa. Isso me deixa muito feliz. Meu start, como já foi explicado acima, foi quando eu entendi que não queria viver criando e fortalecendo valores que a moda trazia e que eu não acreditava mais para o futuro e próximas gerações. Isso ia desde a geração da imagem, que era feita com mulheres muito magras fazendo campanhas até a questão do descarte, que mudava a cada seis meses com as realizações das semanas de moda com tendências que iam e vinham. Hoje, eu acredito muito mais no atemporal, de ter coisas de valores sustentáveis dentro da vida que valem mais do que qualquer tendência.
Push: Você sentiu uma abertura do mercado para uma marca de beleza que abraça causas de gênero e de respeito com os animais?
Pati Lima: Essa questão entra um pouco na crença de como o universo conspira a nosso favor quando a gente acredita muito em uma coisa. Quando a gente acredita, as coisas acontecem como tem que ser e no tempo certo e a Simple Organic aconteceu no momento exato. Nós estávamos no momento correto, no lugar certo e na hora certa. E esse lugar certo, na hora certa, era o Brasil quando o público entendeu que é possível construir uma beleza orgânica, cuidando da saúde, tirando ou reduzindo sintéticos no cotidiano e ainda adquirindo um produto legal de alta performance. Por chegarmos na hora certa ocorreu um “boom” natural. São dois anos e alguns meses que a gente vem passando por esse momento e crescendo com o Brasil nessa conscientização, por isso, é muito legal ser a marca reconhecida por popularizar e democratizar essa informação para as pessoas. Resumindo, sim, o mercado ele estava aberto desde o início e muito mais sedento por esses produtos do que a gente poderia imaginar.
Push: Como você enxerga o conceito de agender no mercado beauty?
Pati Lima: Para a gente não fazia sentido criar uma marca só para homens ou só para mulheres. A gente queria criar produtos para seres humanos, então, quem se identificar com os nossos valores, produtos e performance, automaticamente, vai consumir e é nosso cliente. Por isso, a questão de gênero para a gente não faz a mínima diferença. A Simple Organic nasceu assim e isso tem responsabilidade da revista Catarina, que é o meu projeto de tantos anos atrás e que sempre trabalha com a questão do sem gênero muito antes de todos os outros falarem sobre isso. Então, nada mais natural que a Simple Organic trouxesse esse DNA de olhar contemporâneo sobre o mundo e os produtos. Ou seja, para nós isso é um processo natural que fomos e continuamos sendo pioneiros e que o brasileiro ainda está entendendo.
Push: Você criou uma marca sozinha, sendo mulher. Em algum momento sentiu alguma repressão em relação a isso? Como você sente que ajuda outras pessoas/mulheres?
Pati Lima: Eu nunca tive problema no criar, fortalecer ou com isso. Eu sempre fui muito independente e empreendedora. No entanto, nas agências de comunicação especializadas em moda que existem no Brasil poucas são encabeçadas por mulheres sendo, por isso, um mercado que eu tinha muito mais dificuldade. O mercado de comunicação e publicitário é muito machista ainda e ali eu sofria muito mais em lucratividade – questão que é diferente do salarial. Lá eu via outros empresários fazendo os mesmos trabalhos que mulheres e ganhando mais por serem homens. Depois de montar a Simple Organic isso não aconteceu. O que acontece agora é uma procura enorme de investidores que são apenas do sexo masculino e que, vira e mexe, caem em um discurso machista e que voltam atrás quando eu me posiciono de maneira clara. Eles se policiam e, às vezes, escorregam. E me deixa muito triste o fato dos investidores e executivos que representam grupos de investidores serem sempre homens. Nunca são mulheres que vem atrás de mim e eu espero muito que esse cenário mude. Isso mostra que as mulheres precisam ganhar ainda mais força como grandes investidoras que podem fazer com que projetos cresçam com o seu investimento financeiro.
Push: Você acha que a maquiagem tem poder de transformar alguém? Em que sentido?
Pati Lima: Sim, a maquiagem é importante como uma ferramenta de autoestima, principalmente, para quem está passando por uma quimioterapia, por exemplo. Então, ver uma mulher que está passando por qualquer tipo de câncer e que não pode utilizar nenhum tipo de maquiagem é como vê-las se sentindo completamente nuas – sem maquiagem, sem cabelo e sem sobrancelha. E quando elas encontram a Simple Organic e descobrem que podem utilizar todos os produtos é algo impagável. Fico muito feliz em vê-las podendo ter essa ferramenta de bem-estar e de autoestima. Mas, da mesma maneira eu não coloco esse discurso da maquiagem que transforma, porque ele é altamente comercial e usado pelos grandes grupos de beleza, sendo que a gente sabe que a autoestima é algo da mente. É o se sentir bem que faz com que a mulher se sinta linda e a maquiagem pode completar isso. Porém, não é somente a maquiagem que vá fazer ela se sentir linda e mudar a cabeça das mulheres. Nós precisamos mudar esse discurso e se valorizar, cuidar da nossa beleza interna, da nossa mente, nossa ansiedade, muito mais do que acreditar que os produtos são responsáveis pelos nossos sentimentos. Isso vem do consumo consciente sendo uma mudança do mindset.