O que eu aprendi com uma mulher chamada Bozoma Saint John
foto: Reprodução/Google
motivação

O que eu aprendi com uma mulher chamada Bozoma Saint John

Não sei se foi a combinação da saia e converse de paetê que brilhavam por todo o ballroom H do Hilton Hotel em Austin. Se foi pelo cabelo bafônico ou pelo sorriso gigante que parecia aquecer a alma. Se foi pela pele que irradiava por toda sala ou pela energia contagiante que ela trouxe junto com sua dança ao entrar no palco...ou se foi pelo efeito inexplicável de estar no mesmo ambiente que uma força da natureza. Provavelmente a combinação de todos os anteriores. Eu só sei que no momento em que botei os olhos em Bozoma Saint John naquele início de tarde do meu penúltimo dia de SXSW, alguma coisa em mim mudou. Eu já senti isso algumas outras vezes. Meu sangue literalmente muda de temperatura e até de velocidade quando estou perto de alguém que me estimula intelectual e espiritualmente. Meu coração acelera e meus olhos lacrimejam. E foi exatamente essa a sensação que vivenciei ali.

Até esse dia, não sabia muito sobre Boz - apelido pelo qual Bozoma é conhecida. Dei um google nela horas antes quando uma antiga colega de trabalho que também estava no festival tinha me indicado o keynote em que ela estaria: business women, CEO, Uber, Apple, Endeavor… essas foram algumas das palavras que apareceram associadas ao nome dela na minha rápida pesquisa e que, claro, despertaram meu interesse. Mas não foi por nenhuma dessas experiências, cargos ou títulos que fizeram com que eu escolhesse Bozoma como a palestrante preferida de todo o SXSW e fazer questão de escrever uma matéria sobre ela. Ela poderia inclusive não ter trabalhado em nenhum desses lugares e, ainda assim, com sua energia vibrando no máximo, seu carisma, capacidade de disponibilizar insights simples sobre reflexões extremamente complexas e, acima de tudo, sua história carregada de orgulho e autoconfiança é o que fizeram essa mulher ser inesquecível na minha história do SXSW.

Bozoma é claramente uma pessoa segura de si - acredito que dificilmente chega-se a posições empresariais tão competitivas e em cargos de liderança sem isso. Dominar a noção de "worthiness", (a melhor tradução seria "merecimento") como Boz apontou diversas vezes como a chave para conquistar seu espaço no mundo corporativo, começou pra ela desde criança, graças aos esforços de seus pais. De origem Africana, Bozoma quando criança rodou o mundo até completar 12 anos. Quando finalmente se mudou de Ghana para o Colorado nos Estados Unidos, em sua pré adolescência, Boz e suas três irmãs, negras, altas e imigrantes, não pareciam se encaixar no ambiente ao seu redor. Mas isso nunca foi percebido como um problema para Bozoma. Quando suas colegas da escola iam para sua casa brincar, por exemplo, sua mãe fazia questão de servir "hot pepper soup" um prato típico de Ghana, ao invés de pedir a tradicional pizza de queijo que todos os americanos estão acostumado a servir nessas ocasiões. Quando Boz questionava sua mãe sobre o porquê deles não poderem ser "normais’’ e pedir a pizza do fast food, sua mãe fazia questão de explicar que, se quando ela ia na casa de suas colegas, ela aceitava sem o menor estranhamento entrar no território deles e comer a pizza que os americanos estavam acostumados, quando suas colegas fossem na sua casa, elas comeriam o prato típico de Ghana, e ela não deveria ter a menor vergonha disso. "Não há nenhum lugar ou situação que você deva sentir que não pode trazer a sua origem, a sua história, os seus costumes - você também é dona do seu espaço!". Essa foi a lição que sua mãe lhe ensinou quando criança e que até hoje ela leva para grandes reuniões e salas repletas de executivos, brancos: "Vocês vão ter que se acostumar comigo e toda a bagagem que eu trago. E tudo bem, eu dou até um tempo pra vocês se acostumarem, eu entendo que sou muito diferente. Mas vocês vão se acostumar, porque eu não vou abrir mão dos pedaços de mim que me fazem quem sou!"

É nesse sentido que o significado da palavra worthiness, o merecimento, foi tão importante para Bozoma, e serve como um grande paradigma para todos nós. Sensação de merecimento em saber que suas experiências, sua visão, seus gostos pessoais, sua origem, sua história importam e muito quando ela está sentada em uma sala de reunião formal com outras pessoas diferentes dela. Inclusive, muitas vezes, é o que te coloca em posições criativas e visionárias em trazer soluções que ninguém está vendo. Pode parecer simples e até clichê, mas refita o quanto nós realmente nos sentimentos seguros e temos coragem de trazer à mesa tudo aquilo que somos sem medo de ser julgados - principalmente - quando estamos em um ambiente com pessoas que não têm o mesmo nível profissional, origens e semelhanças que a gente. Não é fácil e a verdade é que na grande maioria do tempo as pessoas estão se esforçando para se encaixar ao invés de se diferenciar. E essa foi a primeira, e talvez principal lição ensinada por Boz.

E isso abre caminho para a segunda grande reflexão que ela propôs e que se faz mais relevante do que nunca nos tempos de hoje: olhe ao seu redor. Na sua equipe, no seu grupo de amigos, nas suas redes sociais, na sua sala de trabalho… quantas pessoas ali são realmente diferentes de você? Quantas vezes você ouve "eu concordo" no seu dia-a-dia? Existe um grande problema com o "eu concordo" e nós deveríamos ser os agentes provocadores em garantir que os ambientes sejam repletos por mais "eu discordo", porque é somente através de pessoas que discordem e estejam dispostas a discutir que o mundo sai de um ponto e vai para o outro, tendo assim a chamada evolução.

Por que ainda vemos tantas marcas em crise com problemas de apropriação cultural, campanhas racistas e mensagens ofensivas? De acordo com Bozoma é porque todas as marcas estão prendendo a respiração esperando a vez delas falharem, em salas repletas de pessoas que "concordam" umas com as outras. Vai dar errado. A sua vez vai chegar. Por quê? Porque ninguém está fazendo quase nada para mudar esses ambientes onde as decisões estão sendo tomadas. A maioria está sentado em suas salas de reunião lendo reports e tendências ao invés de realmente ir às ruas, tentando adivinhar o que grupos de diferente origens e culturas precisam ao invés de realmente inclui-los nas discussões. E é aí que todos esses problemas começam a surgir. Porque apropriação cultural só acontece quando se falta empatia, e empatia só falta quando seu time é repleto de pessoas iguaizinhas a você que não têm a visão apropriada para tratar de comportamentos e atitudes que dizem respeito a outras culturas.  E por sinal, a solução para esse problema não é trazer mais "diversidade" para nossos meios. Bozoma chama atenção sobre como a palavra "diversidade" virou um novo código que as pessoas usam por medo de falar as verdadeiras palavras: nós precisamos de mais NEGROS, GAYS, LATINOS, IMIGRANTES, ASIÁTICOS, MULHERES, TRANS… seja lá o que for que seja diferente do que você esteja vendo hoje ao seu redor. Vamos parar de nos esconder atrás de palavras consentidas como aceitáveis. O resultado é sim a diversidade, mas para chegar lá a gente precisa de nomes muito bem definidos e nós temos que saber quais são para lutar e trazê-los a nossos times.

Essas foram (algumas) das lições que aprendi com uma mulher chamada Bozoma Saint John, mas cada um dos 60 minutos ouvindo-a foram preciosos. Se você gostou do que leu até aqui e ficou curiosa(o) para conhece-la, deixo abaixo o vídeo com a entrevista completa com Boz no SXSW!

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