Enxergar a outra é revolucionário. Vivemos em um tempo em que a diversidade e inclusão viraram protagonistas de diversas falas e debates nas redes sociais — e estão por toda parte. Isso é um avanço e tanto. Mas continuamos com medo de enxergar a diversidade humana do outro; só temos olhos para aquilo que escolhemos ver.
Tudo aquilo que não é igual a nós, nomeamos como diferente. Em algum momento da história, olhamos para os corpos que possuíam diferenças funcionais e estéticas do padrão e os nomeamos “deficientes”. Em algum momento, selecionamos a visão para ser a protagonista entre os sentidos, ficando responsável por comunicar mais de 80% dos estímulos externos a nós. E em algum lugar, perdemos nossa capacidade de nos comunicar sem a visão.
Meu momento de despertar dessa cegueira foi assim que terminei a faculdade de comunicação social em 2016, quando finalmente percebi a existência de corpos com deficiência. E logo eu, que cresci enxergando o mundo pelo viés do olho esquerdo. Nasci com glaucoma congênito nos dois olhos e, após várias cirurgias e transplantes, perdi a visão do olho esquerdo com menos de 4 anos. Cresci enxergando o mundo pela perspectiva de um olho. Sabe aquela expressão, “os olhos são as janelas da alma”? Então, pra mim sempre foi uma apenas uma janela, e isso nunca fez diferença até o dia em que percebi que aos olhos dos outros, fazia.
A deficiência como holofote natural
Sempre fui o centro das atenções por ter uma estética de olhos diferente. Passar despercebida nos lugares? Impossível, afinal de contas, não faz parte do padrão ter um olho azul esbranquiçado de um lado e um verde do outro. Demorei mais de 20 anos para entender que não precisava ser assim, que a deficiência não precisa chamar atenção. Ela é natural, diversa e precisa ser vista com outros olhos.
Com essa inquietude, encontrei na moda um lugar de expressão, justamente o lugar mais inacessível aos olhos das pessoas com deficiência visual por ser povoado por muitas, infinitas imagens. Como incluir as outras formas de enxergar a moda além do olhar? Esse passou a ser o guia da minha jornada como comunicadora, pesquisadora e modelo de moda inclusiva.
Por outras formas de expressão
Da união entre acessibilidade e moda, nasceu a moda inclusiva como possibilidade de expressão da pluralidade humana. Quando me aproximei desse movimento, descobri nele a possibilidade de criar acessos e aproximações entre as pessoas e revelar belezas escondidas aos olhos. Comecei a buscar formas acessíveis de linguagem para garantir que todos tivessem direito à moda. E encontrei nos outros sentidos humanos a resposta.
Foi assim com a #FotoQueFala, uma mistura dos sentidos, a voz que humaniza o momento capturado e que possibilita que mais pessoas tenham acesso à ela. Essa é uma hashtag que criei como forma de incluir pessoas com deficiência visual ao universo imagético que domina nossa sociedade e onde a moda se expressa. É também uma tentativa de nos estimular a usar outros sentidos como formas de expressão. As imagens se ampliam com o afeto transmitido na voz.
PraCegoVer também é uma iniciativa de enxergar com outros sentidos, ver as imagens com as palavras. A campanha foi criada pela educadora Patrícia Braille para incentivar as pessoas nas redes sociais a descreverem suas fotos para que todos tenham acesso às imagens. Descrever é um ato revolucionário para a moda inclusiva, é a possibilidade de acesso a um inesgotável mundo de texturas, estilos, cores e belezas para aqueles que não enxergam.
Unir imagem ao som e ao texto é explorar novas experiências na moda por meio dos sentidos. Quando transformamos a moda em uma experiência multissensorial estamos falando em inclusão: ela é inclusiva quando permitimos a participação de outros sentidos além da visão. Se juntarmos o tato com a voz e a palavra, somos capazes de nos relacionar com nós mesmas de uma forma totalmente nova. Esse é o real significado de moda inclusiva pra mim!
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