A Volar se propôs a viver quatro formas diferentes de trabalhar explorando possibilidades em setores e ambientes. Confira como foi a imersão na Crescer e como funciona o trabalho numa ONG.
Por: Volar
Sabe aquele momento que a gente percebe que tem algo estranho no trabalho e surge uma vontade de experimentar coisas novas antes de escolher o próximo passo da nossa carreira?
Quase todo mundo passa por ele, e com a gente não foi diferente: as três fundadoras da volar sentiram isso em algum momento e cada uma encontrou a sua forma de experimentar por conta (já contamos pro #PUSH como foi!).
Mas faltava um jeito mais simples para todos que também querem mudar, algo que cruzasse as nossas curiosidades com a realidade, com organizações do mundo real. Como experimentações offline de diferentes formatos de trabalho para a gente conhecer a realidade em primeira mão.
E isso se materializou em um programa que combina imersões profissionais de uma semana.
Montamos a primeira dessas experiências combinando quatro semanas, que contemplam: STARTUP, ONG, TRABALHO REMOTO e TROCA DE SERVIÇOS.
Na semana passada dividimos por aqui nossos principais insights da imersão com a Startup!
Essa semana aprendemos um pouco mais, dessa vez com a CRESCER - uma ONG que apoia pessoas em situação de vulnerabilidade: dependentes químicos, moradores de rua e refugiados. Distribuídos em 13 projetos, eles provêem suporte para um dia-a-dia difícil e invisível, além de facilitar o caminho para a reintegração à sociedade de forma saudável e gradual.
Com eles, acompanhamos a rotina de uma organização social, identificamos muitas referências para o mundo de negócios e trouxemos insights para a vida. Acompanha com a gente as principais descobertas, por dia:
DIA 1 - Tire o seu propósito do site
Do site, da bio, de tudo que estampa o que te move e por quê você faz o que faz. O que sobra?
Não lemos em nenhum lugar sobre a filosofia da CRESCER e o que guia os mais de 10 projetos que eles desenvolvem ao mesmo tempo - mas durante toda a imersão, ouvimos repetidamente sobre “reduzir danos e minimizar risco”. Toda a equipe, responsável por diferentes serviços a diferentes públicos, mantém em mente esse objetivo - e o modus operandi no qual acontece. Só quando o propósito está por trás de cada pequena ação dos diferentes indivíduos da organização é que o todo está alinhado na mesma direção e reforçando seu impacto conjunto.
Tirar do site, aqui, significa trazer para a vida real. Ou melhor, encontrar na vida real. Porque ele provavelmente já está disseminado por tudo que fazemos, nas nossas prioridades e atividades, mesmo sem a gente perceber. Por isso, assim que você identificar o que é esse elemento comum, use-o como filtro. Esse projeto novo, o problema que surgiu, o parceiro em potencial: compartilham desse mesmo elemento? Em caso negativo: desapega. Agir intencionalmente conforme nosso propósito diz muito mais do que tê-lo estampado virtualmente.
DIA 2 - Esqueça o que você acha que sabe
Entrar na Startup, na semana passada, apesar de ser desafiador pelo tema e pela proposta do programa, ainda era um ambiente relativamente familiar. De forma geral, a gente conhece os processos das empresas - a gente entende quais pilares são importantes e como otimizar recursos para um resultado melhor. A imersão na ONG, por outro lado, foi diferente. Além de o assunto ser completamente diferente, a operação também o é. A gente conviveu com profissionais de áreas mais diversas, entendeu um contexto social novo e acompanhou atividades com as quais nunca antes tivemos contato.
Esse contraste foi extremamente positivo para a nossa primeira lição: para aprender, é preciso eliminar pré-concepções. A CRESCER trabalha com aqueles em situação de vulnerabilidade: sem abrigo, dependentes químicos, refugiados. Formamos muita opinião sobre eles com base em reportagens e livros, sem nunca (pelo menos nós) ter um contato direto, uma perspectiva em primeira mão. E na CRESCER isso é fundamental. Eles trabalham com uma filosofia de “redução de riscos e minimização de danos” que implica respeitar e aceitar todas as pessoas, inclusive aquelas que não querem (ou não estão preparadas) para deixar as drogas - ou as ruas.
Nesses casos, os nossos argumentos sobre o que é melhor e o que faz mais sentido não importam. A abordagem da CRESCER é focar no que se pode fazer: fornecer material para um consumo seguro, recolher seringas já utilizadas do chão, dar apoio psicológico e suporte para todo o processo, até a reinserção de qualquer pessoa na sociedade. Esse programa funciona (na redução de infecção de HIV, por exemplo), mas gera controvérsias: às vezes a gente acha que se não ajuda do nosso jeito, não tá ajudando. Quantas vezes não tentamos vender para os nossos clientes a melhor solução para nós?
DIA 3 - Espante o fantasma do dinheiro
Se tem algo que assombra tanto ONGs quanto projetos novos é o tal do financiamento: afinal, (ainda) existe um gap entre fazer o bem e ser (bem) remunerado por isso. Essa questão fica ainda mais em evidência no empreendedorismo de impacto e nos negócios sociais: que equilibram características do segundo e do terceiro setor. A necessidade de fundos existe desde o início dos tempo e cada formato de trabalho resolve de um jeito diferente: mas quando ela paira no ar não deixa espaço para muita coisa. Ou seja: além de limitante em recursos, a constante preocupação com dinheiro ainda impede nossos instintos mais criativos e ousados.
Por isso, independente de qual for a sua situação, faça um plano (realista) e aceite para poder seguir em frente. Ou seja: já sabemos que é necessário um tempo de maturidade antes do resultado (financeiro) ideal e que temos algumas opções para financiar a operação até lá: interno (nós) ou externo (outros). Trace o que faz mais sentido para você, entenda os pontos que dependem de você (projeções e reuniões com investidores, por exemplo) e foque tudo no negócio. Noiar sobre os boletos ou sonhar com os dias de glória dispersam nosso recurso mais valioso: energia.
DIA 4 - Ofereça uma xícara de chá
Um dos projetos da CRESCER é reinserir de pessoas em situação de sem abrigo crônica (há mais de cinco anos morando nas ruas) na sociedade. Essa é uma transição complicada, já que muitos recorreram a substâncias químicas e já não realizam atividades básicas, como higiene e socialização, há muito tempo. Quando aderem ao programa, recebem auxílio operacional e psicológico, são co-responsáveis pelas contas da casa e devem interagir com a equipe, os vizinhos e comerciantes locais. O benefício não está atrelado à sobriedade, mas ao comprometimento ao processo. Ou seja, eles devem receber os profissionais da CRESCER regularmente e manter suas responsabilidades da casa em dia.
Fomos visitar um imigrante Tcheco saído da rua há pouco mais de seis meses. A casa estava impecável (mais que a minha, inclusive) e ele nos recebeu preparando um chá e servindo em copos descombinados. Nesse momento, pudemos observar (sem que ele apontasse), a limpeza da casa, a organização da cozinha, sua destreza com as ferramentas e a desenvoltura das suas habilidades sociais. Foi com o chá que percebemos muito sem precisar perguntar, uma oferta simples já embebida de significado simbólico. Ainda fizemos algumas perguntas técnicas, mas todo o importante já tinha sido demonstrado para o único interessado que importava, naquele momento (a CRESCER).
Antes de cantar vantagem aos seus stakeholders, pense em como oferecer-lhe uma xícara de chá.
DIA 5 - Jogue mais imagem e ação
A situação dos refugiados está muito em pauta no mundo, mas especialmente relevante aqui na Europa. Em geral as primeiras coisas nas quais pensamos são as condições de deslocamento, as políticas públicas de apoio e a competitividade com o local (no mercado de trabalho, principalmente). Durante um dia no projeto da CRESCER que oferece apoio a essa população que chega, muitas vezes, até sem documento (na identificação deles, todos nasceram em 01/01/2000), o que aparece como, de longe, o maior desafio é a comunicação. O que é irônico, já que é também o principal desafio dentro das organizações.
O contexto era abrir uma conta de internet, o que na prática é bastante simples. Mas como, para a CRESCER, cada um deve tomar suas próprias decisões (deste consumir ou não substâncias até qual o plano é melhor dentro de orçamento e necessidade), tínhamos que explicar todos os detalhes a três meninas da Somália. Junto estava um tradutor de árabe que, aparentemente, não tem muito em comum com o Somali. Nosso papel foi simplificar a informação até. se possível, não precisar mais de palavras. Fizemos mímicas, alguns sons que só metade de nós entendia e acabamos com desenhos. Não é fácil conversar sem palavras, mas a comunicação fica todinha mais simples. E quanto mais a gente simplificar, mais transparente podemos ser. O melhor é que dá para implementar aos poucos :)
A EXPLORAÇÃO ESTÁ SÓ COMEÇANDO
Se identificamos paralelos entre ONGs e Startups, as chances são de que possam existir também entre outros formatos de trabalho. E se há algo em comum, há também a possibilidade de que troquem experiências e aprendizados.
Estamos buscando esses padrões, e todas as formas que podem contribuir e acrescentar uns aos outros.
Semana que vem estaremos conhecendo a rotina e conversando com os trabalhadores remotos, também conhecidos como “nômades digitais” ou “independentes de localização”, visitando cafés e espaços de coworking em Lisboa. E vamos contar tudo por aqui :)